quarta-feira, 11 de julho de 2007

Asas cortadas

Gostaria de fazer uma abordagem muito pessoal sobre a bela canção ASAS CORTADAS, a qual considero a mais interessante do CD “Livre” do Jorge Vercilo, lançado em 2003. A letra fala (nas entrelinhas) de um homem que, quando criança, queria “ganhar o céu, o infinito”, tal qual um pássaro sem medo de voar. Porém, ao crescer, ele percebe que não pode voar tão alto quanto desejara, pois o mundo – em sua vil e insistente ignorância – cortou-lhe as asas, cobrindo-o de limitações. “Eu, pássaro perdido, que ‘avoou’ sem medo quando era menino / Sério, eu chego a me lembrar e logo chega o mundo pra intimidar/ Eles gritam e conseguem me assustar (...)”. Agora, quando ousa alçar vôo, vê-se acuado pelas grades (violência moral) da sociedade e, assustado, fica com medo de cair, pois está há muito tempo convivendo com o ócio que lhe foi imposto. Ele está ocioso em relação às coisas as quais um dia sonhara fazer. O mundo tenta cingir-lhe a vida, impelindo-o à mediocridade. “ (...)Vez em quando bate um vento por aqui/ Abro as minhas asas pra tentar subir/ Mas com tanto tempo preso a essas grades, me esqueci/ E agora tenho medo de cair (...)”.


Nos versos, “Tiê, venha das alturas me salvar (...) sua liberdade me libertará”, Vercilo faz uma inteligente referência ao tiê-sangue, pássaro raro, de cor vermelha, cauda preta e uma mancha branca no bico. É encontrado próximo a capoeiras, restingas e beiras de mata do litoral brasileiro, da Paraíba a Santa Catarina. Uma peculiaridade impressionante desse pássaro o torna especial, distinto das demais espécies: sua beleza é impossível de ser apreciada em cativeiro, visto que, quando preso, ele perde a cor, assumindo um aspecto completamente pálido, alaranjado, desbotado. A beleza do tiê está na proporção de sua liberdade, ou seja, quanto mais LIVRE, mais bonito. Por isso, o tiê é tão amado e tem a sua lindeza citada, cantada, retratada e apreciada pelos poetas e artistas em geral. Não raro os compositores utilizam-se da figura de um pássaro como metáfora para expressar a liberdade (ou a falta dela). Veja o exemplo de Renato Russo, que em sua “Clarice”, nos diz: “(...) eu sou um pássaro, me trancam na gaiola e esperam que eu cante como antes (...) Mas um dia eu consigo resistir e vou voar pelo caminho mais bonito”.


Nós, seres humanos, somos muito parecidos com o tiê-sangue: carecemos de liberdade para sermos pessoas felizes, realizadas. Precisamos voar bem alto em nossos sonhos, a fim de obtermos a contínua esperança de uma vida melhor, longe de dissabores, vícios, prisões ou de qualquer coisa que subtraia nossa dignidade e nosso amor próprio. Sem isso, nossa vida será desbotada e nosso riso será pálido, triste.


Confesso ter tido a sensação de estar voando ao ouvir ASAS CORTADAS pela primeira vez... No término da música, o Jorge cantando “um dia eu vou voar/ eu já vivi no ar/ vem me ver voar”, a marcação da bateria, a progressão dos acordes... O máximo! Sinto-me gratificado por conseguir reter da musicalidade do Jorge Vercilo esses elementos interessantes que somam coisas boas em minha vida!

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