quinta-feira, 2 de agosto de 2007

18 anos sem o Rei do Baião.

“Sempre achei Luiz Gonzaga a maravilha máxima. Cantando e contando a verdade nordestina, Gonzaga nos mostra, com um lirismo incomum, as dores e a sensibilidade de um povo extraordinário”. (Nara Leão)


No dia 02 de agosto de 1989, falecia aquele que se tornara expressão maior da cultura nordestina de todos os tempos: Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Nascido em 13 de dezembro de 1912, esse pernambucano de Exu estabeleceu definitivamente sua carreira como músico na década de 40. Tornou-se nacionalmente reconhecido a partir do lançamento, em 1947, da canção Asa Branca, parceria sua com Humberto Teixeira, e que se tornou mundialmente conhecida, quase chegando a ganhar uma regravação dos Beatles.

Luiz Gonzaga é uma figura ímpar no cenário musical brasileiro. Sua música é simples, mas de um lirismo profundo e um incomensurável alcance popular! Deixou um legado artístico-cultural que ficará resguardado para sempre na memória do povo brasileiro. O velho “Lua” era um músico extremamente inventivo – foi responsável pela introduçãoo e consolidação do gênero a que se chamou Baião. Sobre Luiz e seu legado, eis algumas palavras do ministro da cultura, Gilberto Gil:

“Dentre aqueles gêneros diretamente criados a partir da matriz folclórica, está o baião e toda a sua família. E da família do Baião, Luiz Gonzaga foi o pai. Seu nome se inscreve na galeria dos grandes inventores da música popular brasileira, como aquele que, graças a uma imaginativa e inteligente utilização de células rítmicas extraídas do pipocar dos fogos, de moléculas melódicas tiradas da cantoria lúdica ou religiosa do povo caatingueiro e, sobretudo, da alquímica associação com o talento poético e musical de alguns nativos nordestinos emigrantes como ele, veio a inventar um gênero musical. Eu, como discípulo e devoto apaixonado do grande mestre do Araripe, associo-me às eternas homenagens que a História continuada prestará ao nosso Rei do Baião”.

(Extraído do Livro “Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga”, de Dominique Dreyfus).


Luiz, junto com inúmeros parceiros, numa infinidade de canções, passeou por vários estilos adjacentes ao baião, dentre eles o xote, a marchinha junina e o forró. A versatilidade do cantor pode ser percebida em músicas como Noites brasileiras (xote), Olha pro céu (marcha), Numa sala de reboco (xote) e ABC do Sertão (baião).

Além de compositor, o Rei do Baião tinha uma bela e grandiosa voz – por essa razão, ele era um grande intérprete de suas próprias canções e também dava a sua cara a composições de outros autores, fazendo-as parecer que fossem suas. Dentre canções de outros autores que ficaram eternizadas na voz do Rei, destacam-se: Boiadeiro e Cigarro de Paia, ambas de Klécius Caldas/A.Cavalcante; Súplica Cearense (Gordurinha/ Nelinho); Óia eu aqui de novo (Antonio Barros Silva); A feira de Caruaru (Onildo Almeida); Hora do adeus (Luiz Queroga/ Onildo Almeida); e a toada A triste partida (Patativa do Assaré).

Mas foi com os parceiros Humberto Teixeira e Zé Dantas que Luiz Gonzaga compôs seus mais importantes sucessos. Com o primeiro, ele fez músicas como Baião, Respeita Januário, Légua tirana e Qui nem jiló. Com o segundo, compôs O xote das meninas, Riacho do Navio, Vem morena, Vozes da seca, A volta da Asa Branca, Cintura fina, Forro de Mané Vito, Sabiá, A dança da moda, dentre outras.

Luiz Gonzaga soube, como ninguém, retratar com propriedade a cultura, os hábitos e as mazelas de seu povo:

Quando eu vim do Sertão, seu moço, do meu Bodocó
A maleta era um saco e o cadeado era um nó
Só trazia coragem e a cara
Viajando num pau-de-arara
Eu penei, mas aqui cheguei...

(Trechos de Pau-de-Arara, parceria de Luiz Gonzaga e Guio de Moraes).


Em seu cancioneiro, há inúmeras músicas que primam pelo humor, como é o caso de Capim novo (Luiz Gonzaga/ José Clementino):

Nem ovo de codorna,
Catuaba ou tiborna
Não tem jeito não
Não tem jeito não
Amigo véio pra você
Tem jeito não
Amigo véio pra você
Tem jeito não, não, não
Esse negócio de dizer que
Droga nova
Muita gente diz que aprova
Mas a prática desmentiu
O doutor disse
Que o problema é psicológico
Não é nada fisiológico
Ele até me garantiu
Não se iluda amigo véio
Vai nessa não
Essa tal de droga nova
Nunca passa de ilusão
Certo mesmo é
Um ditado do povo:
- Pra cavalo véio
O remédio é capim novo.

Em muitas canções, o mestre expressa romantismo de uma forma simples, singela e única:

Juazeiro, Juazeiro
Me arresponda por favor
Juazeiro, velho amigo
Onde anda o meu amor
Ai, Juazeiro
Ela nunca mais voltou
Diz, Juazeiro
Onde anda o meu amor

Juazeiro, não te alembras
Quando o nosso amor nasceu
Toda tarde à tua sombra
Conversava ela e eu
Ai, Juazeiro
Como dói a minha dor
Diz, Juazeiro
Onde anda o meu amor

Juazeiro, seja franco
Ela tem um novo amor
Se não tem, por que tu choras
Solidário à minha dor
Ai, Juazeiro
Não me deixa assim roer
Ai, Juazeiro
Tô cansado de sofrer...

(Excertos de Juazeiro, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira).

Vai cartinha fechada
Não deixa ninguém te abrir
Aquela casa caiada
Onde mora a letra i
Existe uma cacimba
Do rio que o verão secou
Meus óio chorou tanta mágoa
Que hoje sem água
Me responde a dor
Ai, diz que o amor
Fumega no meu coração
Tal qual fogueira
Das noites de São João
Que eu sofro por viver sem ela
Tando longe dela
Só sei reclamar
Eu vivo como um passarinho
Que longe do ninho
Só pensa em voltar.

(A letra i, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas. O “i” a que a música faz referência é de Iolanda, pessoa por quem Zé Dantas se apaixonou e para quem fez a letra, a qual foi musicada por Luiz Gonzaga).

Em sua vasta discografia, o velho Lua não se esquece de exprimir sua religiosidade:

Quando batem as seis horas
De joelhos sobre o chão
O sertanejo reza
A sua oração

“Ave Maria, mãe de Deus, Jesus
Nos dê força e coragem
Pra carregar a nossa cruz”

Nessa hora bendita e santa
Viemos suplicar à Virgem Imaculada
Os enfermos vir curar

“Ave Maria, mãe de Deus, Jesus
Nos dê força e coragem
Pra carregar a nossa cruz.”

(Ave Maria Sertaneja)

Demonstrando a minha fé
Vou subir a Penha a pé
Pra fazer minha oração
Vou pedir à padroeira
Numa prece verdadeira
Que proteja o meu baião

Penha, Penha
Eu vim aqui me ajoelhar
Venha, Venha
Trazer paz para o meu lar

Nossa Senhora da Penha
Minha voz talvez não tenha
O poder de te exaltar
Mas dê bênção, padroeira
Pra essa gente brasileira
Que quer paz pra trabalhar.


(Baião da Penha, de Guio de Moraes e David Nasser).

Na qualidade de intérprete, Luiz estava sempre atento às novidades que apareciam no cenário musical. Em 1971, gravou um LP intitulado “A música jovem de Luiz Gonzaga”, constituído de canções do pessoal da bossa e do tropicalismo, que estava em evidência. O LP continha as músicas Procissão (Gilberto Gil); Fica mal com Deus (Vandré); No dia que eu vim me embora (Caetano Veloso/ Gilberto Gil); Cirandeiro (Edu Lobo/ Capinan); Caminho de Pedra (Vinícius de Moraes), dentre outras.

Luiz Gonzaga realizou, ao longo de sua carreira, duetos com os mais diversos artistas, dentre eles, Elba Ramalho (Sanfoninha choradeira) e Gal Costa (Forró nº 01). Também gravou dois discos com Fagner, em 1984 e 1988, ambos um enorme sucesso de vendas. Cabe ressaltar suas parcerias com seu filho Gonzaguinha, como Pense n'eu e A vida do viajante, dois grandes sucessos da carreira de ambos.

O Rei do Baião manteve-se na ativa, compondo, lançando disco e fazendo show até o fim, mesmo acometido do câncer, somado à osteoporose que o debilitava fisicamente. O último disco lançado, "Vou te matar de cheiro", trazia a faixa-título (parceria de Luiz Gonzaga e João Silva) e Xote ecológico (Aguinaldo Batista/Luiz Gonzaga) como músicas de trabalho, as quais fizeram enorme sucesso, elevando as vendas do disco, também motivadas pela comoção em torno da enfermidade do rei do baião. Seu último show foi realizado em Recife-PE, no Teatro Guararapes, no dia 06 de junho de 1989. Debilitado, em cadeira de rodas, o velho Lua entrou vestido a caráter, com gibão e chapéu de couro. Apresentava perda de memória e já não se lembrava direito até mesmo de Asa Branca, seu maior sucesso. Mesmo assim, exprimia preocupação em falar, expressar sua gratidão ao povo que sempre o acolheu com bastante carinho. “Ninguém vai acabar com o forró. Não vai, porque essa é a música do povo”. Falou dos músicos que o acompanhavam, como Dominguinhos e Pinto do Acordeon. Caiu em prantos quando falou de Exu, sua terra natal. Em 21 de junho do mesmo mês, foi internado no Hospital Santa Joana, onde viria a permanecer por 42 dias na UTI. Nos momentos de dor atroz, para apaziguar a dor, Luiz trocava os gemidos por prolongados aboios que ressoavam em alto e bom som pelos corredores. Logo em seguida, desculpava-se humildemente com os outros doentes que se encontravam na UTI: - Não me levem a mal. Sinto muitas dores e gosto de aboiar quando deveria gemer.

Luiz Gonzaga encerrou sua passagem na Terra às 5h15 do dia 02 de agosto de 1989, aos 76 anos de vida, deixando um patrimônio artístico de incalculável valor que ficará eternizado na memória de sua imensa legião de admiradores, de geração a geração.


3 comentários:

Anônimo disse...

Olá Fred,

Parabéns pelo Blog. Continue.

Abrs.,

Joel

Cátia Veloso disse...

Puxa, amigo...
É impressionante como você nos faz repensar sobre o que julgamos saber sobre algo ou alguém!Seu blog é rico em todos os sentidos e em todas as esferas culturais; você escreve de maneira clara, inteligente e perfeitamente compreensível, sem os exageros naturais de quem sabe escrever bem.
É muito bom vir aqui e conhecer um pouco mais sobre o "velho Lula" e tantas particularidades de algumas de suas obras que somente alguém com a sua visão e tino musical poderia enxergar e partilhar com seus leitores e amigos.
Parabéns por toda a riqueza que você representa em nossas vidas.
Te amo.

Anônimo disse...

Oi Freddy!!!
Post perfeito, comentários brilhantes e muito bem colocados!!!
Parabéns pela inspiração!!!
Pena que a 18 anos essa voz se calou...
Certamente hoje ainda seriam canções belíssimas e muito atuais!!!

Bjos