sábado, 8 de setembro de 2007

Película: o espírito aventureiro de Fernanda Gurgel e o cinema potiguar na Ilha de Fidel Castro

Semelhança com o comunismo não será coincidência ao se falar em Fernanda Gurgel. Pelo menos não em espírito. Aventureira por natureza, esta garota de semblante tímido esconde um coração desbravado. Mochila nas costas e lá vai ela explorando a Mata Atlântica de João Pessoa a Natal a pé. O próximo destino será a cidade de Santo Antonio de Los Ban’os, a 35km de Havana, capital de Cuba, onde vai cursar cinema.
Em Cuba, Fernanda vai fazer o curso regular de três anos da EICTV – Escuela Internacional de Cine y Televisión. O curso é pago (12.000 Euros pelos três anos), e a escola garante hospedagem, alimentação, atendimento médico e transporte para Havana nos fins de semana. As aulas começam dia 10 de Setembro, mas todos os brasileiros vão chegar depois, dia 13, data que conseguiram as passagens através do Ministério da Cultura. O curso termina em 30 de julho de 2010.
Seria uma história simples se fossem necessários apenas os euros para estar lá, mas o roteiro vai além do vil metal. Os testes foram realizados nos dias 13 e 14 de abril, em Belo Horizonte e em Recife. “As provas foram cansativas, cada um tinha 15 questões discursivas. Isso foi no dia 13, no dia 14 fizeram entrevistas. Fora isso a gente tinha que entregar currículo e portifólio. Depois dessa etapa, ficamos aguardando o resultado da banca. Só os selecionados pela banca brasileira teriam seu material enviado a Cuba para a seleção final”, conta Fernanda.
Participaram da seleção 133 candidatos dos quatro cantos do país. Apenas 15 foram selecionados pelas bancas brasileiras, em BH e Recife. Na seleção final feita em Cuba, passaram sete candidatos do Brasil, três do nordeste. Fernanda Gurgel á única potiguar aprovada. Porém, a maratona intelectual ainda não é clímax desse roteiro. Em abril deste ano, Fernanda e mais seis amigos fizeram uma viagem estilo mochilão pela América do Sul, cujo principal objetivo era chegar a Machu Picchu, no Peru. O primeiro país por onde passaram foi a Bolívia e de lá mesmo Fernanda retornou ao Brasil. “Passei mal, a princípio com dor de cabeça, enjôo e falta de ar. Depois comecei a sentir dormência no braço e na perna esquerda e a vista bastante escurecida. Percebendo que não ia conseguir continuar (pois a viagem ficaria cada vez mais puxada, incluindo uma trilha de quatro dias para chegar a Machu Picchu) voltei ao Brasil, e em São Paulo fiz exames que detectaram um AVC por dissecção de carótida. Essa dissecção foi uma lesão na artéria do pescoço que provocou a formação de um coágulo que se alojou do lado direito do cérebro. Esse tipo de AVC é muito raro e no meu caso a dissecção foi considerada espontânea, pois não sofri nenhum trauma no pescoço que pudesse ter sido a causa. A altitude em La Paz, a alta de pressão e o stress podem ter sido fatores que contribuíram, mas não foram considerados causas diretas”, relata.
Já em Natal, a recuperação incluiu remédios anticoagulantes e exames de sangue periódicos, sessões de fisioterapia, natação e muito descanso. Em junho a EICTV divulgou o resultado da seleção 2007 e Fernanda, apesar do tratamento, em momento algum cogitou desistir da viagem. “A partir daí comecei a me preparar para a viagem, ainda sem saber se seria liberada pelos médicos e logicamente, sem deixar as atividades de recuperação do AVC. Fiz alguns exames que determinaram que a artéria carótida já se recuperou e está com fluxo sangüíneo normal. Segundo a avaliação do hematologista, o coágulo também já se dissolveu. Diante disso os médicos me liberaram para viajar” diz.
Hoje, ela se movimenta normalmente (antes mal conseguia mandar um e-mail) e o formigamento diminuiu quase 100%. A visão está melhor e Fernanda agora leva uma vida normal, inclusive realizando alguns trabalhos.“Sempre gostei da área do audiovisual e desde a faculdade comecei a desenvolver trabalhos em vídeo, dos quais destaco o Making of "Fabião das Queimadas – o poeta da Liberdade", registro dos bastidores do primeiro documentário realizado no RN pela série DOC TV do Ministério da Cultura, em 2004. De lá para cá tentei melhorar meus conhecimentos através de um curso de edição em São Paulo, trabalhando em produtoras de Natal e realizando alguns trabalhos independentes. Em 2007 eu pretendia voltar a estudar e fui informada pela amiga Rosália Figueiredo, roteirista da TVU, que haveria a seleção para a Escola de cinema de Cuba. Como eu ainda me enquadrava no primeiro critério de seleção (ter de 22 a 28 anos) resolvi tentar.”Planos para capturar o Rio Grande do Norte em imagens Fernanda não faz. “Ainda não tenho planos para quando voltar. Estou tendo que resolver tantas coisas agora que ainda não consegui pensar no futuro. E geralmente as coisas vão acontecendo comigo sem eu planejar muito. Se eu conseguir desenvolver boas idéias em cinema ou TV no RN será ótimo.”
Para Fernanda, o cinema no Estado está engrenando. Ela destaca a ABD & C/RN, o Cineclube e a Ong Zoon como responsáveis por essa efervescência. Entre os produtores, a Caminhos Comunicação & Cultura, Buca Dantas, Carlos Tourinho, Marina Cruz e o Projeto Vernáculo. “É só ficar de olho nos festivais, mostras ou até na programação de alguns canais locais para vermos trabalhos destes autores citados e comprovar sua importância”, avisa.
Fernanda Pires Gurgel nasceu em 1982, no Rio de Janeiro, mas foi criada em Natal, onde concluiu jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2004. A inclinação para a arte está no sangue. Fernanda é filha do mossoroense Tarcísio Gurgel, jornalista, professor de literatura potiguar na UFRN e roteirista de espetáculos como o “Chuva de Balas” e “Auto do Natal”, e da pautense Ione Pires Gurgel dos Santos, além de sobrinha do folclorista Deífilo Gurgel.
A EICTV – A Escuela Internacional de Cine y Televisión é o projeto acadêmico mais importante da Fundação do Novo cinema Latinoamericano (FNCL). A Fundação, com sede em Cuba, foi criada no mês de dezembro de 1985 sob auspício do Comitê de Cineastas da América Latina e é presidida, desde seu início, pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, decidindo na primeira reunião de seu conselho reitor a criação da EICTV.
Graças ao apoio entusiasta do governo cubano, a Escola foi inaugurada um ano depois, em 15 de dezembro de 1986. Seu primeiro diretor foi Fernando Birri, realizador argentino de grande prestígio, precursor do movimento do Novo Cinema Latinoamericano e de alguma maneira profeta do projeto. Concebida como uma escola de formação artística, a EICTV pôs em prática uma filosofia particular: a de ensinar não através de mestres profissionais, mas sim de cineastas atuantes, capazes de transmitir conhecimentos adquiridos pela prática, em constante atualização. Seu atual diretor geral é o realizador cubano Julio Garcia Espinosa.
A EICTV é uma central de energia criativa para a produção audiovisual com processos docentes e de aprendizagem atípicos e um espaço comum de convivência entre professores, estudantes e trabalhadores. A EICTV tem como objetivo primordial desenvolver o talento criador e defender o direito de dispor da própria imagem tanto como o direito de ver cinema de todas as partes a fim de contribuir com a liberdade do espectador, que é inseparável da liberdade do criador.

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